PERU DE NATAL
Certa vez, um gordo peru fazia rodas no terreiro da casa, quando de repente surge um pavão que também fazia o mesmo a mostrar sua exuberante plumagem. Pego de surpresa, o peru ficou meio sem jeito de abordá-lo visto que, por não conhecê-lo, não achava prudente conversar com estranhos. Mas quando viu que a majestosa ave fazia rodeio numa coreografia que daria inveja a qualquer bailarino do Balet Bolshoi, indignou-se e resolveu abordá-lo da seguinte maneira:
- Senhor pavão, não nota V.Sa. que está invadindo o meu terreiro sem nenhuma cerimônia para ofuscar meu brilho?
- Não senhor peru, pois se não me engano, este terreiro também é meu já que temos um dono em comum. Depois, que eu saiba, você não é dono de nada, mas antes é propriedade de alguém, assim como eu!
- Mas eu nunca vi você antes!
- Provavelmente porque és desligado, se prestaste mais atenção no que se passa nesta casa, certamente já me terias notado; pois há muito tempo neste pedaço, sempre faço minhas rodas, desde que me entendo por bicho. Bicho bonito, é claro!
- Ah! Estou vendo que além de intrometido você também é narciso!
- Como não poderia ser se a mãe natureza caprichou na minha estética e me transformou numa das aves mais bonitas deste planeta? Não tenho culpa nem responsabilidade pela minha beleza, além do que, se o Criador assim me fez, deve lá Ele ter seus propósitos.
- É...! Vejo também que você é muito pedante e sabe muito bem justificar sua inconveniência.
- Não acho que você deva se incomodar com a minha presença neste terreiro, pois além de enfeitá-lo, sou também desta casa e se aqui estou certamente não é por responsabilidade exclusivamente minha. Você também é bonito e com suas rodas ajuda-me alegrar o ambiente. Aqui juntos, representamos a diversidade da rica fauna que povoa estas paragens.
- Paragens? Que paragens? Isto aqui não passa de um terreirinho sujo, por onde fazemos cocô a vontade sem que ninguém apareça para limpar. Se você olhar para os seus pés agora, aposto que estão encalacrados de caca sem que você sequer tenha notado.
- Oh! Meu pessimista galináceo, isto faz parte do jogo, portanto não se preocupe com ínfimos detalhes enquanto grandes questões da sua vida você nunca prestou atenção.
Cada vez mais irritado pergunta o peru:
- Afinal de contas do que você está falando agora, se não sabe nada da minha vida?
- Ah! Peru, você com as suas colocações chega a me dá pena, sem querer fazer trocadilho, pois já tenho penas bastante!
- Vamos fale o que sabe de mim, se é que sabe de alguma coisa e deixe de lero-lero!
- Tá peru. Não queria, mas você me obrigou a fazê-lo: por acaso sabes em que época do ano estamos?
- Época do ano? Que importância isto tem agora para o nosso papo?
- Bom, para o meu papo não tem importância, mas para o seu certamente terá! Pense um pouco, não seja precipitado, nem displicente, que você perceberá o perigo que é inerente a você e sua família nesta época do ano!
O peru pensou, pensou, fez várias vezes seu glu-glu-glu, rodou pra lá e pra cá, mas não chegou a nenhuma conclusão. Voltou-se então para o pavão e mandou:
- Aí Pavão misterioso, pensei, pensei, rodei e nada me parece diferente de nada. Qual é afinal?
- É...! Peru com esse seu jeito de ser compreendo os desígnios de Deus para você e toda sua raça.
- Êpa – Raça não! Corta essa e me classifica como espécie. Alias sei muito bem a que família pertenço como você mesmo falou antes sou um galináceo. E tem mais, se não me engano somos parentes bem próximos, visto que você é também galiforme fasianídeo. Gostou? Não sou tão burro assim com você tenta me convencer!
- Ok peru você venceu, vamos ao que interessa: Você notou o que o seu dono vem te fazendo nos últimos dois meses?
- Sim notei, ele vem me dando comida no bico, uma espécie de pirão grosso recheado com grãos de milho. Acho até que estou ganhando bastante peso por conta disto!
- Pois é, você tem uma ideia do porquê?
- Não, sequer faço ideia!
-Sabe em que mês estamos?
- Espera! Estamos em dezembro e se não me engano bem próximo do natal.
- Bom, agora você está um pouco mais próximo de sua dura realidade.
- Dura realidade?
- Sim!
- E daí?
- Bicho de pena, você foi a ave escolhida para ser comida pelos homens na ceia de natal em comemoração ao nascimento de Cristo.
- Cristo?
- Sim. O filho de Deus, aquele que foi mandado a terra pelo Seu Pai para absorver o pecado de todos os homens e em fim salvá-los.
- Como você sabe tudo isso sendo apenas uma ave?
- Sim, sou apenas uma ave mais também sou filho de Deus.
- Tem certeza que você é filho de Deus, com esta forma totalmente diferente da dos homens, pra mim você não passa de um resquício de dinossauro!
- Claro, Ele fez apenas o homem a sua semelhança, e depois criou todas as formas de seres vivos, portanto somos todos suas criaturas.
- E as plantas, esses graõzinhos que nós comemos, as mioquinhas, e outros bichinhos?
- Tudo e todos somos de Deus.
- Sou então filho Dele?
- Claro!
- E mesmo assim sou escolhido para o sacrifício da ceia em homenagem ao nascimento do Seu Filho?
- Isso mesmo.
- Você me acha meio tapado, não acha?
- Bem... Digamos meio desligado!
- Mas não acha meio incoerente que Ele me sacrifique, eu seu próprio filho, para comemorar a vinda do meu irmão?
- Bom, de repente até parece incoerente, mas acho que você está pegando pesado, além do que não temos capacidade para julgar os desígnios de Deus!
- Ah! Então você acha justo que Ele me escolha para tal fim?
- Não... não é bem assim, apenas não tenho como julgar Suas determinações!
- Mas eu também não tenho como julgá-Lo, mas não acho justo a minha escolha, afinal de contas, vou ser sacrificado, depenado, assado, deglutido por uma legião de esfomeados, por muitos que se aproveitam da ocasião e comem até as minha tripas e dentro da barrigas deles vou ser reduzido a excremento!
- Bom, isto é fato! Mas não precisa você ficar tão preocupado assim, afinal, todos morremos um dia.
- Você quer dizer então que a maneira de morrer não tem importância?
- Bem, no fundo acho que sim, mas também não tenho certeza.
- Bom já que é assim, me parece que você compreende melhor que eu os desígnios de Deus, vamos trocar de lugar!
- Não, que é isso? Se assim fizéssemos estaríamos contrariando os desígnios de Deus. Nunca! Isto é blasfêmia, jamais compactuaria com tamanha ignomínia! Nem Pensar.
- Já sei, Deus nos deu a capacidade de compreender seus desígnios, mas desde que eles não nos afete. Sei que neste natal chegou minha vez, vou ser embriagado na véspera, sacrificado no dia, e assado num forno de 280 graus, até minha carne ficar dourada e suculenta, para que os homens cometam um dos sete pecados capitais – a GULA - e cometem mesmo, provando que o Cristo não conseguiu livrar o homem do pecado, por mais amor e boa vontade que tenha pregado aqui na terra. A noite enfeitarei a mesa, serei arrumado, enfeitado num baixela, com groselhas, uvas e avencas, para preservar minha estética que jamais será igual a da sua calda multicolorida aberta em leque, mas antes, em posição ginecológica com um pêssego enfiado no meu orifício anal para tapar a escuridão que todos trazemos por dentro das entranhas! Um feliz natal para você pavão e que Deus te erre sempre na hora da comemoração ao nascimento do Seu filho. Amén!
Por José Antonio da Silva. Um filho de Deus.
terça-feira, 28 de dezembro de 2010
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário