sábado, 3 de outubro de 2009

ACORDEI AS SETE, DUAS VEZES NO MESMO DIA

Acordei as sete, ao primeiro toque do despertador, notei que estava preguiçoso, havia trabalhado além da conta no dia anterior. Mesmo tendo deitado cedo da noite, o sono não me satisfiz, embora tendo sido ininterrupto.
Meu corpo doía um pouco, algumas juntas me pareciam enferrujadas, ao tentar mover o joelho esquerdo, ouvi algo como um rasgo que me fez parar instantaneamente para evitar uma dor maior. Em seguida segurei a perna com as duas mãos, coloquei o calcanhar no chão e fui aos poucos colocando carga progressiva até sentir firmeza e finalmente levantar. Agora sem dor e com tudo no lugar. Coisa de velho, pensei.
Para completar o meu despertar dolorido fiz alguns alongamentos tupiniquins e me dirigi ao banheiro, onde uma ducha bem quente me devolveu a energia suficiente para encarar mais um dia de trabalho junto aos meus pacientes.
Tomei o café da manhã e sai em direção ao mar, fui coleando a bonita orla da praia vagarosamente quando de repente comecei sentir uma enorme leveza me envolver. O mar estava lindo com suas águas azul-marinho ao fundo e verde esmeralda mais à frente. As ondas se derramavam em espuma branca precipitando-se sobre a areia. Pensei nela e senti enorme vontade de beijá-la como forma de dividir aquele momento sutil que só nos surge de vez em quando maravilhosamente. Foi assim, como se seu corpo colasse ao meu, senti seu cheiro, aroma de flores impregnaram meus sensores olfativos e mandaram ao cérebro uma mensagem de paz e tranqüilidade.
Pensei – estou amando novamente, não se sente algo assim sem se ter por trás um sentimento profundo daqueles que mexem com o coração e embotam a razão.
Era uma manhã de muito sol. Os raios passavam pelo vidro do carro e mesmo de óculos escuros me ofuscavam.
Pensei não ir trabalhar, ficar curtindo a leveza do meu ser no meio de toda beleza da praia. Chamá-la para curtirmos juntos, trocando afetos e aproveitando os poucos bons momentos que a vida às vezes nos propiciam.
Achei que se assim fizesse meus pacientes me perdoariam, pois tenho sido bom com eles durante toda minha vida de médico, afinal de contas a medicina sempre foi minha prioridade. Eles, sempre trato com dedicação e isonomia.
Nada se constrói sem paixão, paixão pelo que se faz, paixão como motivação, no bom sentido da elevação do espírito.
Não – não posso ficar, deixar de atender pessoas que esperam ansiosas para ter uma consulta comigo, marcada às vezes com um mês de antecedência. Não poderei frustrar-las, algumas acham até que estão com câncer e dependem de mim para tranqüilizá-las ou não. Como irei justificar minha falta? Perguntas que me faço constantemente e que às vezes me tiram o sossego.
Não costumo ceder a apelos contra meus compromissos, mas naquele dia não teve jeito. Há muito tinha vontade de fazê-lo, assim irresponsavelmente, só pra sair um pouco de tanta rigidez na auto-cobrança.
Aquele dia lindo convidava-me à irreverência tal era sua beleza. Não haveria outro dia,
tinha certeza, seria naquela ocasião ou nunca. Cheguei a duvidar da minha atitude.
Estava decidido, não iria trabalhar e pronto, não hesitei, peguei o telefone e liguei pra ela, mas nunca atendia, comecei a ficar agoniado. Por que será que não atende? Vai perder esta oportunidade? A agonia foi aumentando, aumentando a ponto de me sufocar, de modo que, quando não suportava mais em plena asfixia, o despertador me salvou, ai sim acordei as sete, de verdade. Naquele dia acordei duas vezes!

José Antonio da Silva – Cabo Frio – 09/07/2008.

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